Critica por favor o meu elevado ego

12/04/2020

joana

manifesto — João Oliveira @ 22:44

a madrugada do dia um de janeiro de dois mil e seis foi a primeira vez que disse “amo-te” a alguém. nessa noite, adormecemos lado a lado, embriagados e cada um enfiado no seu saco-cama, no canto de uma sala de uma qualquer moradia no meio do campo nos arredores de coimbra.

olhando em retrospectiva, parece-me óbvio que a não amasse. não creio mesmo que a i. acredite, ou tenha acreditado muito na altura, que eu realmente a amava. era jovem, dezanove anos acabadinhos de fazer, na ânsia de querer ter alguém a meu lado e a quem dizer que a amava.

mas a verdade é que, até à noite de vinte e três de fevereiro de dois mil e vinte, foi a única pessoa a quem alguma vez tinha dito “amo-te”.

é, talvez, a única palavra de que tenho mesmo medo, mas que tenho aprendido a usar.

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19/04/2017

conversas no limbo da saudade

manifesto — João Oliveira @ 09:38

um destes dias ia de táxi para um daqueles serviços de agenda que já não recordo bem. era verão, final de tarde e o sol queimava o horizonte com as cores mais quentes que possas imaginar. estava distraído a observar a paisagem que deixava um borrão na janela do carro, absorto nos pensamentos que vagueavam entre o que ia vendo pelo caminho, sem se fixarem mais do que breves segundos no que via.

de repente, o rádio começou a tocar uns acordes familiares, que me despertaram bruscamente, apesar da suavidade da melodia. era aquela música que uma vez te dediquei, confesso que não sei bem em que ocasião, a mesma que, confessaste-me com a voz embargada, era a música dos teus pais. a partir daquele momento, aquela guitarrada suave passou a ser também a nossa música. uma das nossas músicas.

fechei os olhos e deixei-me embalar pela nostalgia que inesperadamente me abraçou no banco de trás daquele taxi, que continuava a percorrer as ruas da cidade, empenhado na sua missão de me levar ao meu destino, enquanto o mundo lá fora seguia na sua rotina, indiferente àquele momento único de que o universo era a única testemunha.

não demorou muito a que tivesse entrado naquele limbo que apenas a nostalgia consegue despertar em nós e para onde só ela sabe transportar-nos, o mesmo em que a saudade nos faz mergulhar no subconsciente para ir buscar as memórias que nem sabíamos ainda guardar. nessa altura já tu me tinhas abandonado e eu deixei-me simplesmente levar pela música.

e tudo voltou, assim, de repente. os momentos que passámos juntos, os sorrisos que trocámos, as gargalhadas soltas ao vento, os olhares cúmplices de uma paixão que timidamente sentíamos a crescer sem conseguir identificá-la, o toque suave dos nossos dedos entrelaçados uns nos outros enquanto nos agarrávamos àqueles preciosos momentos, sem pensar sequer no que ainda estaria por vir.

não fui o único, no entanto, a quem a nostalgia tocou ao som da música. talvez inspirado por aqueles acordes com que deus nos abençoou através dos ágeis dedos do carlos santana, o taxista decidiu desabafar os seus desamores comigo. ou talvez só quisesse alguém com quem falar.

enquanto percorríamos velozmente o asfalto, contou-me todas as suas mágoas, as aventuras e desventuras amorosas que tinha passado com a sua mulher de mais de 30 anos de casamento, mais sete de namoro. dizia-me que não a suportava, que ela lhe moía o juízo todos os dias mas, ao mesmo tempo, não sabia viver sem ela. era ela a mulher da vida dele e por quem saía todos os dias de casa ainda antes de o sol nascer em direcção àquela praça de táxis, na 5 de outubro, que lhe consumia o espírito, à procura de poder dar à sua mais que tudo tudo o que desejasse.

dissertou sobre os signos, de como ele era touro e ela era sagitário, e de como, ainda assim, eram unha com carne. pelo meio falámos um bocadinho sobre arquitectura, de como o edifício da pt, já perto das avenidas novas, nunca passava de moda e eu anuí, embora o achasse um horrível mamarracho. voltámos à mulher dele.

“é dia sim, dia não. depois é dia sim, dia sim. querem controlar tudo e mais alguma coisa. sagitário é um espírito livre… eu adoro viajar, conhecer o mundo. você não?”, perguntou-me, sem esperar resposta. “gosto”, respondi-lhe ainda assim. quem não gosta? escrevo-te estas palavras, aliás, a bordo do voo que me vai levar a paris, a cidade onde sempre quis levar-te, não tivesses interrompido, se não o nosso, pelo menos, o meu sonho.

continuámos a nossa conversa. ou o monólogo dele, convicto de que aquilo era um diálogo… futebol, era o que faltava. qual é o taxista que não fala sobre futebol? todos temos dentro de nós o seu quinhão de treinador de bancada, mas um taxista é claramente doutorado na matéria.

“sabe como é que se chama o meu blutu? (assim mesmo, não há cá inglês que valha a um taxista que, confessou-me, sem vergonha, como se isso fosse motivo, não tinha mais do que a quarta classe)… eusébio!”

“eu não sou… não sou benfiquista”, tentei responder-lhe, à espera das clássicas duas perguntas que me fazem sempre que discutimos futebol na capital. “é sportinguista?” também não. “portista?” também não. “sou de coimbra…” “académica!”, exclamou assim que ouviu o nome da nossa mágica cidade, sem me deixar terminar a frase. “claro”, limitei-me a responder.

continuou a divagar e eu limitei-me a ouvir, com um sorriso. a música já tinha terminado havia algum tempo, mas o taxista parecia alheio ao que o rodeava. tenho pena de não ter fixado o nome ou o número do carro dele.

“aceitei ser praça em coimbra. sou da covilhã e quando fui tropa foi lá que fiz a recruta… em santa clara. de lá vim para a capital e depois fui para áfrica, angola… mas gostei, gostei da experiência”. aqui começámos a divagar, enquanto a locutora nos dava conta das notícias daquele final de tarde.

“fui para lá em 1972 e, olhe, faz amanhã… não, amanhã ainda estava em angola. faz no dia 1 de maio 40 anos que cá cheguei… voltámos cinco dias depois do 25 de abril e não se notou nada, tanto que o embarque até atrasou por causa do que se tinha passado e não foi nada de especial. só quando cá chegámos… do aeroporto até à calçada da ajuda era um mar de gente que gritava ‘vitória! vitória!’ e nós só nos perguntávamos mas que vitória? só depois de começarem a falar é que nos apercebemos da viragem…”

um momento de silêncio, o mais longo de toda a viagem, em que apenas se ouvia a música que saía do sistema de som gasto do táxi. prosseguimos o nosso caminho, continuo sem saber para onde fui nessa tarde, mas está a saber-me bem recordar esta conversa.

“é aquele hotel grande ao pé da antral, não é? é”. gosto muito da maneira como os taxistas fazem as perguntas e respondem logo de seguida, sem esperar réplica. “estou a falar daquele centro comercial… o olaias plaza”, corrigi-o. “ah, pois é, tem razão. então, é a mesma coisa… o hotel é… tem razão, tem razão”.

não sei que música foi que passou a seguir, mas o momento já tinha morrido. concentrámo-nos apenas em seguir viagem e chegar ao destino o mais rapidamente possível. de repente, voltámos a ser dois estranhos naquele táxi. “o outro é o altis park…”, ainda retorquiu.

cheguei. saí do táxi, agradeci ao taxista por aquele momento – não sei ao certo quanto tempo passou desde que entrei no táxi até ter chegado ao meu destino -, mas senti que o seu propósito tinha sido cumprido: levar-me, mais do que ao sítio onde tinha de ir fazer reportagem, onde eu precisava de chegar.

12/04/2013

não interessa

apontamento,linhas — João Oliveira @ 00:56

o telefone toca. olho. não és tu, não interessa. volto ao que estou a fazer, mesmo que seja olhar para o vazio. o iphone insiste na notificação. ignoro. não és tu, não interessa.

18/12/2012

mal habituado

brincadeiras com as palavras,exercício,versos — João Oliveira @ 13:06

o teu toque perfumado
é quanto basta para me deixar viciado
descontrolado
enamorado

e só quando te tenho a meu lado
é que me sinto sossegado
relaxado
num sentimento abraçado
e embriagado

deixas-me mal habituado