sacana (3)
um dos muitos trabalhos que o meu irmão já teve enquanto chef foi a trabalhar num aldeamento na comporta durante o verão. antes de começar a trabalhar, eu e a j. fomos almoçar e passar o dia com ele e o meu pai, que o levou até lá. era domingo e acabou por ser uma tarde bem passada, entre o peixe fresco grelhado do almoço e conhecer o espaço onde o meu irmão ia trabalhar.
o meu pai ficou algum tempo depois de almoço, mas acabou por ir embora mais cedo, porque a viagem de regresso a coimbra (ainda) era longa. eu e a j. ficámos mais algum tempo, para fazer companhia ao meu irmão, e acabámos por jantar os três na comporta. acho que havia um jogo na televisão nessa noite, mas não me lembro bem.
à noitinha, já depois do jantar e de termos deixado o meu irmão no aldeamento onde ia começar a trabalhar no dia seguinte, fizemos a viagem de regresso a lisboa debaixo de um céu estrelado como só o alentejo consegue presentear-nos. íamos cansados, mas felizes por aquilo que o dia tinha acabado por tornar-se.
durante a viagem, ligou-me o meu avô. estava internado no curry cabral, para fazer uns exames, por isso atendi, temendo que fosse alguma emergência. ele sabia que eu e a j. estávamos à procura de casa, a nossa primeira casa, e queria saber como estava a procura. disse-lhe que íamos aproveitar as férias para descansar, em setembro íamos começar a procurar a sério e tranquilizei-o.
o meu avô acabou por morrer algumas horas depois deste telefonema. percebi – meses mais tarde, quando comecei a processar muito do que ainda está por processar – que aquela chamada tinha sido ele a despedir-se de mim. queria ter a certeza, antes de partir, de que eu estava bem entregue.
sentir falta de alguém que está lá em cima é toda uma nova forma de ter o coração partido. sei que ele continua a olhar por mim, lá em cima, mas o sacana continua a fazer-me falta como nunca.