memórias
quando era mais novo acreditava que tudo era para sempre e que aqueles que o rodeavam nunca iriam partir. os dias em que a família estava toda reunida eram sempre cheios de festa e ele sentia-se bem, confortável, seguro.
os anos foram passando e ele foi crescendo. à sua volta todos lamentavam e choravam a perda de alguém: um pai que se mudara de casa por causa de um casamento mal resolvido que redundara irremediavelmente em divórcio, um tio que emigrara ou uma avó que morrera ao fim de não sei quantos anos de silêncio sofredor. e ele assistia a todo este sofrimento, impotente, sem saber o que fazer ou dizer, porque ele sempre passara incólume pela vida e a dor nunca lhe batera à porta. era por isso que se sentia abençoado todos os dias, como se tivesse alguém a zelar por ele, à distância, e todos os dias se mostrava agradecido por isso mesmo.
até que ver um filho carregar o caixão do próprio pai e descê-lo à terra — as costas vergadas pelo peso do carvalho e da perda, os olhos cavados pelas olheiras das noites em claro, também eles enlutados pela partida — se tornou numa imagem demasiado dolorosa para sequer pintar na mente. e ele evita pensar nisso a todo o custo. porque custa muito, mais do que o tolerável, suster as lágrimas e manter a força para mostrar a todos os que o rodeiam que tudo está bem.
e há que seguir em frente. agora há quem conte com ele e agora é a sua vez de fazer os seus sentir-se bem, confortáveis, seguros, como ele se sentira enquanto crescia. há que protegê-los do mal, para que possam também eles crescer felizes e fortes.
costumava pensar que tudo era para sempre. mas para sempre são as memórias e a saudade. tudo o resto é efémero e passageiro, tal como a própria vida.
February 26th, 2013 at 16:18
Também assim pensava. Ufa, já não sou o único.
Este foi o fim de semana que marcou a partida do avô materno com o qual não sei se laços existiam…
Tocante, a sua escrita ao descrever o pegar no caixão do pai. Tenho tanto medo!
Abraço.