cansaço
chegaste a casa abatido e cansado. a luz da rua recorta a tua sombra na escuridão de uma casa a que já chamaste lar. a vida parece estar finalmente a dar uma volta, mas desconfias porque não tens ninguém com quem partilhar as boas notícias. tentas ligar, mas o sinal está ocupado. tentas novamente e a chamada é rejeitada.
é assim que te tens sentido nos últimos tempos. rejeitado e abandonado. estás cansado de sentir – e que te façam sentir – que não estás à altura ou que não és suficientemente bom para aqueles que te rodeiam. abatido porque os sinais que vais recebendo vão confirmando os teus receios.
arrastas-te para a casa-de-banho, abres a torneira quente e deixas-te cair. ficas debaixo do chuveiro, a roupa a colar-se ao corpo enquanto a água corre pela banheira. é a única fonte de calor e conforto que conheces por estes dias.
o sorriso há muito que não é teu. perdeste-o não sabes bem quando, não sabes bem onde, nem bem porquê. a apatia assomou num dia sombrio, instalou-se e deixou-se ficar, confortável.
vais deambulando pela vida, porque não podes chamar a isto viver. vais matando o tempo, à espera que o tempo te mate. resignado, só à espera que o tempo passe, que alguém regresse ou que isto passe. que tudo não passou de um sonho quando acordasses.
desta vez não tens força para procurar pelo sorriso que outrora tiveste, porque te cansaste de esperar que mais um dia passe. deixas-te ficar, já sem esperança que o amanhã melhore.
o que há em mim é sobretudo cansaço –
não disto nem daquilo,
nem sequer de tudo ou de nada:
cansaço assim mesmo, ele mesmo,
cansaço.
:: álvaro de campos
deixar um comentário